BYRON
George Gordon Noel BYRON, nasceu em Londres em 1788, "Horas de ócio", seu primeiro volume de poesia, apareceu em 1807. Viajou pelo Oriente e de volta à Inglaterra publicou os dois primeiros cantos de "Childe Harold" (1812). Toda a sua produção do período que se segue até 1816 sofre a influência dessa viagem, figurando entre as principais obras "O cerco de Corinto", "O Corsário", "Lara", etc. Dissabores conjugais induzem-no a se exilar. Percorre a Bélgica, e Suíça e a Itália. Em 1818, faz editar o 4' canto de "Childe Harold", bem como dramas e mistérios escritos durante a jornada pelo estrangeiro: "Manfredo", Sardanápalo", etc. É da mesma época a epopéia humorística intitulada "Don Juan", escrita em 8 (oitava) rima. Em 1824, participa da guerra pela independência da Grécia, morrendo sob os muros de Missolonghi nesse mesmo ano.
AS TREVAS Tive um sonho que em tudo não foi sonho! O sol brilhante se apagara: e os astros, Do eterno espaço na penumbra escura, Sem raios, e sem trilhos, vagueavam. A terra fria balouçava cega E tétrica no espaço ermo da luz. A manhã ia, vinha e regressava Mas não trazia o dia! Os homens pasmos Esqueciam no horror dessas ruínas Suas paixões: e as almas conglobadas Gelavam-se num grito de egoísmo Que demandava "luz". Junto às fogueiras Abrigavam-se e os tronos e os palácios, Os palácios dos reis, o albergue e a choça Ardiam por fanais. Tinham nas chamas As cidades morrido. Em torno às brasas Dos seus lares os homens se grupavam, Feliz de quem vivia junto às lavas Dos vulcões sob a tocha alcantilada! Hórrida esp'rança acalentava o mundo! As floresta ardiam! de hora em hora Caindo se apagavam; crepitando, Lascado tronco desabava em cinzas. E tudo tudo as trevas envolviam. As frontes ao clarão da luz doente Tinham do inferno o aspecto quando às vezes As faíscas das chamas borrifavam-nas Uns, de bruços no chão, tampando os olhos Choravam. Sobre as mãos cruzadas outros Firmando a barba, desvairados riam. Outros correndo à toa procuravam O ardente pasto p'ra funéreas piras. Inquieto, no esgar do desvario, Os olhos levantam p'ra o céu torvo, Vasto sudário do universo espectro E após em terra se atirando em raivas, Rangendo os dentes, blasfemos, uivavam! Lúgubre grito os pássaros selvagens Soltavam, revoando espavoridos Num vôo tonto co'as inúteis asas! As feras 'stavam mansas e medrosas! As víboras rojando s'enroscavam Pelos membros dos homens, sibilantes, Mas sem veneno a fome lhes matavam! E a guerra, que um momento s'extinguira, De novo se fartava. Só com sangue Comprava-se o alimento, e após à parte Cada um se sentava taciturno, P'ra fartar-se nas trevas infinitas! Já não havia amor! O mundo inteiro Era um só pensamento, e o pensamento Era a morte sem glória e sem detença! O estertor da fome apascentava-se Nas entranhas. Ossada ou carne pútrida, Ressupino, insepulto era o cadáver. Mordiam se entre si os moribundos: Mesmo os cães se atiravam sobre os donos, Todos exceto um só que defendia O cadáver do seu, contra os ataques Dos pássaros, das feras e dos homens, Até que a fome os extinguisse, ou fossem Os dentes frouxos saciar algures! Ele mesmo alimento não buscava Mas, gemendo num uivo longo e triste, Morreu lambendo a mão que, inanimada, Já não podia lhe pagar o afeto. Faminta a multidão morrera aos poucos. Escaparam dous homens tão somente De uma grande cidade. E se odiavam. Foi junto dos tições quase apagados De um altar, sobre o qual se amontoaram Sacros objetos p'ra um profano uso, Que encontraram-se os dous e, as cinzas mornas Reunindo nas mãos frias de espectros, De seus sopros exaustos ao bafejo Uma chama irrisória produziram! Ao clarão que tremia sobre as cinzas Olharam-se e morreram dando um grito Mesmo da própria hediondez morreram, Desconhecendo aquele em cuja fronte Traçara a fome o nome de Duende! O mundo fez-se um vácuo. A terra esplêndida, Populosa, tornou-se uma massa Sem estações, sem árvores, sem erva, Sem verdura, sem homens e sem vida! Caos de morte, inanimada argila! Calaram-se o Oceano, o rio, os lagos! Nada turbava a solidão profunda! Os navios no mar apodreciam Sem marujos! Os mastros desabando Dormiam sobre o abismo, sem que ao menos Uma vaga na queda alevantassem. Tinham morrido as vagas! e jaziam As marés no seu túmulo antes delas A lua que as guiava era já morta! No estagnado céu murchara o vento, Esvaíram-se as nuvens. E nas trevas Era só trevas o universo inteiro (Trad. de Castro Alves) A PEREGRINAÇÃO DE CHILDE HAROLD (Trechos) XVI Que belezas Lisboa patenteia Logo à primeira vista! A sua imagem Reflete nesse rio majestoso, Cujas areias com vaidade os vates D'oiro imaginam! Sulcam-lhe hoje as águas Mil fortes quilhas, dês que sua aliada, Albion, seu auxílio presta à Lísia, Nação inflada d'ignorância, e orgulho, Que beija e amaldiçoa a mão que a espada, P'ra defendê-la, empunha, contra a sanha Desse da Gália déspota implacável, XVII Mas quando alguém penetra na cidade, Que ao longe brilha, como um céu aberto, Desconsolado vaga abaixo e acima Por entre coisas mil, em que o estrangeiro Fitar repugna os olhos: tão imundos, Como suas choupanas, seus palácios; No lixo os habitantes seus vegetam, Sem que a ninguém, de qualquer classe, importe O asseio no vestir; e se do Egito Os invadisse a peste, inabaláveis, Sem mais limpeza, haviam de arrostá-la. XVIII Miseráveis escravos, mas nascidos Entre as cenas mais nobres! Com tal gente Por que hás desperdiçado, ó Natureza, Teus prodígios? Ó Cintra, Éden radiante, De montes e de vales matizado! Que mão pode guiar pincel ou pena, Para traçar o quanto alcança a vista Das cenas tuas, qui'inda mais deslumbravam Os olhos dos mortais, que essas, que o Vate Descrevera, de assombro enchendo o mundo, Quando lhe abrira as portas dos Elíseos! XIX Altos penedos, que um convento c'roa; Velhos sobreiros, que o escarpado cobrem; Musgo queimado por um sol ardente; No vale arbustos, que por ele choram; O terno azul do acalmado Oceano; As laranjas doirando os verdes ramos; As torrentes das rochas despenhadas; Os salgueiros embaixo, em cima as vinhas; Tudo em brilhantes cenas reunido Dá ao painel belezas variadas. XX Ide agora subindo vagaroso Pelos freqüentes sinuosos trilhos, Voltando o rosto, os olhos espraiando Dessa eminência sobre encantos novos; Da Senhora da Penha entrai no templo, Onde monges frugais relíquias mostram, E aos forasteiros várias lendas contam: Muitos ímpios têm sido aqui punidos. Eis a funda caverna, em que vivera Honório muito tempo, esperançado No céu, fazendo deste mundo inferno. XXI Aqui e ali observareis, subindo Toscas cruzes de pau, do trilho à margem; Não as julgueis da devoção of'rendas. São do homicídio frágeis monumentos; Que lá, quando alguém cai banhado em sangue, Vítima infausta de assassina faca, De duas ripas uma cruz levantam, E milhares nos vales e nos bosques Achareis desta terra sanguinária, Onde a lei não protege a vida do homem. XXII No declínio das rochas ou nos vales Há castelos, dos reis retiro antigo Hoje cercados só de agrestes flores, Cujo esplendor as ruínas inda atestam. São do real palácio aquelas torres, E tu, filho opulento d'Inglaterra, Vathek, ali formaste o teu paraíso, Esquecendo que quando o fausto esgota Tudo quanto a riqueza proporciona, Deixa a paz d'existir com tais deleites. CXIII O mundo não amei, nem ele amou-me Nunca adulei seu hálito corrupto, Nem a seus ídolos ajoelhei submisso Na minha face não cunhei sorrisos, Jamais gritei p'ra prestar culto a um eco; Na turba, ninguém dela julgar-me-ia. No meio deles, mas sem ser um deles, As minhas opiniões suas não eram, E hoje ainda fora assim, se eu não limasse Minha razão havendo-a subjugado. O mundo não amei, nem ele amou-me; Mas leais inimigos separamo-nos, Creio, bem que o contrário tenha a chado, Qu'inda há palavras que denotam coisas, Que há esperanças qu'enganar não querem, Que há virtudes piedosas, que não armam Laços aos fracos: também creio ainda Que há quem sincero sinta os males de outrem, Que um ou dois quase são quanto parecem, Que a bondade não é somente um nome, E que não é a felicidade um sonho. . CXXII Da sua própria beleza adoece o espírito, Com falsas criações febricitando: Onde a alma do escultor apanha as formas? Em si só. Pode ser a natureza Tão bela? Onde os encantos, e as virtudes, Que ousamos conceber, quando meninos, E em homens perseguimos paraíso, Que de alcançar desesperamos, quando Pena e pincel de mais sobrecarregam A página, em que florido o quiséramos? CXXIII Enlouquece quem ama é um delírio Da mocidade, porém mais amarga Sua cura, quando nossos ídolos despem Um a um os encantos, que os vestiam, E mais valor não vemos, nem beleza, Fora do que ideamos; mas ainda Esse fatal condão nos prende e impele, - Semeando ventos e tufões colhendo. O tenaz coração, sua alquimia Começada, mais perto julga o prêmio E ter mais ganho, quando perdeu tudo. CXXIV Moços nos consumimos, definhamos Num contínuo langor, sem nosso intento Conseguir, sem que a sede mitiguemos Bem que no fim, quando imos já caindo Nos atraia um fantasma como outrora: É tarde maldição e avareza, É tudo o mesmo um mal, tudo ilusório, Igualmente, pois tudo tão meteoros Com diferentes nomes, e é a morte O negro fumo, em que se esvai a flama. CXXV Poucos encontram, ou ninguém, o que amam, Ou que amar poderiam, posto que hajam, Uma acaso, um contato cego, e a forte De amar necessidade removido Antipatias que a voltar não tardam C'o veneno de irrevogáveis danos. E a Circunstância, nume sem espírito, Que só desmancha, ajuda e faz chegarem Nossos males guiando-os com sua vara, Cujo toque a esperança em pó transforma; Pó em que temos todos nós pisado. CXXVI A nossa vida é falsa natureza; Não pode entrar das coisas na harmonia, A dura lei; a mácula indelével Do pecado, esse upas desmesurado, Árvore, cujo veneno destrói tudo Cuja raiz é a terra, cujas folhas E ramos são os ares, donde chovem Sobre os homens a peste, em vez de orvalho, Moléstias, morte, escravidão, e os males Todos, que vemos, e o pior não visto, Que o espírito e o coração punge sem tréguas. CXXVII Afoitos meditemos é bem baixo Da razão abandono o resignarmos Nosso direito de pensar nosso último E só refúgio meu seja ele no menos: Bem que do berço a diva faculdade Se agrilhoe, torture, açame, e prenda, E nas trevas eduquem-nos, temendo, Que de mais a verdade reverbere Na mente, que não fora preparada, Afinal um só raio seu reflete, Vem curar a cegueira a ciência e o tempo (Trad. de Francisco José Pinheiro Guimarães)
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