DE MARGINÁLIA
(Excertos) - E.A.P.

O PROGRESSO realizado em alguns anos pelas "revistas" e "magazines" não deve ser interpretado como quereriam certos críticos. Não é uma decadência do gosto ou das letras americanas. É, antes, um sinal dos tempos; é o primeiro indício de uma era, em que se irá caminhar para o que é breve, condensado, bem digerido, e se irá abandonar a bagagem
volumosa; é o advento do jornalismo e a decadência  da dissertação. Começa-se a preferir a artilharia ligeira às grandes peças. Não afirmarei que os homens de hoje tenham o pensamento mais profundo, do que há um século, mas, indubitavelmente, eles o têm mais ágil, mais rápido, mais reto, mais metódico, menos pesado. De outro lado, o fundo dos 
pensamentos se enriqueceu. Há mais fatos conhecidos e registrados, mais coisa para refletir. Somos inclinados a enfeixar o máximo possível de idéias no mínimo de volume, a espelhá-las o mais rapidamente que pudermos. Daí nosso jornalismo atual; daí, também, nossa profusão de magazines.
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Depois de ter lido tudo o que se escreveu sobre a alma e sobre Deus, depois de haver pensado sobre esse assunto tudo quanto pode ser pensado, o homem que ainda puder dizer que reflete, se encontrará face a face com esta conclusão: em tais matérias o mais profundo aforismo é o que mais dificilmente puder distinguir do sentimento 
mais superficial. (Ed. Aforismo - sentença máxima)
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A maldição de certos espíritos é não poderem nunca estar satisfeitos, quando se sentem capazes de concluir uma obra. Nem mesmo são felizes, depois que executaram. É preciso que saibam e que mostrem aos outros, como se dedicaram a ela.
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A multiplicação de livros, em todos os ramos da ciência, é um dos flagelos de nossa época. É, mesmo, um dos obstáculos mais sérios à aquisição de conhecimentos exatos. O leitor encontra seu caminho obstruído por uma multidão de materiais e só tateando é que, de vez em quando, encontra alguns restos úteis, misturados por acaso ao demais.
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Não falta originalidade aos plagiários, necessariamente, nos trechos em que imitam. Longfellow, que é decididamente o mais audacioso contraventor da América, é original num grau acentuado; em outros termos, não lhe falta imaginação. É mesmo por causa deste segundo fato, que muitas pessoas se recusam a crer no primeiro. O sentimento delicado da beleza, o sentimento poético, em posição à potencialidade poética, conduz inevitavelmente à imitação. Assim é que a maior parte dos grandes poetas tem sido composta de grandes plagiários. Partir daí, todavia, para afirmar que todos os grandes plagiários são grandes poetas seria uma simples "non distributio vedii".
(Ed. Longfellow (Henrique Wadsworth) - poeta americano (1807-1882). 
De entre as suas obras, citam-se: Evangelina, grande poema nacional; o Conto de Hiawatha, no qual descreve com felicidade a natureza americana; Beira-Mar e a Lareira; etc. As suas pequenas poesia são encantadoras pela delicadeza do sentimento, um pouco melancólico, e pela justeza de expressão.)
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Certamente, toda causa produz um efeito. Mas em moral, é igualmente  bem certo que uma repetição de efeitos tende, por sua vez, a tornar-se uma causa. Aí é que reside o princípio do que chamamos vagamente hábito.
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"A filosofia - diz Hegel - é  coisa sem qualquer utilidade, sem fruto,, seja lá para o que for; e é precisamente por esse nada que ela é o alvo mais sublime, o que mais merece nossos esforços, o mais digno que objetivaremos". Toda essa algaravia lhe foi, sem dúvida, inspirada por aqueles famoso trecho de Tertuliano" mortuus est Dei filius; credibile est quia ineptum; et sepultus, ressurrexit; certum est quia impossible"
(Ed. Hegel - Jorge Guilherme Frederico), filósofo alemão (1770-1831). 
A sua obra capital é a Ciência da Lógica. A sua filosofia ou hegelianismo, com tendências panteístas, provém das doutrinas de Kant, Fichte e Scelling, e exerceu influência considerável sobre a evolução do espírito germânico. 
Hegel foi professor de Filosofia na Universidade de Berlim e o seu ensino teve um êxito extraordinário. As suas doutrinas foram aceites oficialmente, tanto na Alemanha como na França.)
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A tradução do Livro de Jonas, em hexâmetros alemães, por J.G.A Muller! Eis uma coisa de que não posso deixar de rir e, contudo, rio-me sem saber por que. Que a incongruência seja o princípio de todo o riso convulsivo, isso me é demonstrado tão claramente, como um problema dos "Principia mathematica". Mas, aí, não posso descobrir a incongruência: ela está lá, eu sei, e não a vejo. Nesse meio tempo, deixem-me rir.
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Em certo sentido, e até  certo ponto, ser singular é ser original e não existe virtude literária, superior à originalidade. Essa verdadeira originalidade, que se pode louvar, não implica, contudo, numa singularidade uniforme, mas numa constante singularidade, que vem de um infatigável vigor da imaginação, ou, antes, de uma perpétua força de criação, cuja natureza se manifesta em cada obra, sempre impelida, como é, a tudo renovar. Essa verdadeira originalidade jamais se esgota. Falar da possibilidade de um homem, verdadeiramente imaginativo, "esvaziar-se", à força de escrever, é pura atitude e ignorância. Sua alma se nutre das próprias ondas que espalha. Significaria o mesmo, falar da aridez do oceano. Enquanto o universo dos pensamentos fornecer os elementos de novas combinações, a alma verdadeiramente genial não cessará de ser original, inesgotável, ela e não outra.
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Um autor acostumado à solidão, quando se mistura pela primeira vez aos homens de letras que o rodeiam, não deixa nunca de ficar tão surpreendido quando encantado, por verificar que as decisões imparciais de seu próprio julgamento (decisões que ele sempre evitou cuidadosamente exprimir, porque estão em flagrante desacordo com as da imprensa) são aprovadas e consideradas como inteiramente naturais, por quase toda as pessoas a quem ele se dirigir. O fato é que, frente a frente, fazemos questão de evidenciar alguma honestidade, ainda que só pelo incomodo que a expressão de uma mentira impõe a nossos traços. Assim é que redigimos gravemente sobre o papel aquilo que, por coisa alguma deste mundo, poderíamos afirmar, pessoalmente, a um amigo, sem corar ou romper 
em gargalhadas.
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Não posso deixar de pensar que muitos romancistas poderiam, de vez em quando, extrair algum proveito do exemplos dos chineses que, embora construam suas casas, começando pelo teto, tem contudo senso bastante, para não começarem seus livros pelo desenlace.
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Nossa afeição para com os antigos poetas deve ser atribuída, em grande parte, ao nosso amor pelo que é antigo. A grande atração que eles inspiram ainda, em nossos dias, só se explica pelo prazer particular que encontramos, no sabor de sua linguagem e na originalidade impressionante de seu modo de se exprimir-se. Mas não podemos ocultar a nós mesmos que os versos antigos, tão gabados por seu torneio agradável e original, deveriam ter tido uma aparência inteiramente diferente e muito mais familiar, no tempo em que foram escritos. Assim, tais qualidades, independentes da poesia em sim e, por certo, bem estranhas às intenções dos autores, não podem, nem devem ser encaradas como méritos próprios e inerentes a qualquer deles. Importa antes, com efeito, prever-nos contra uma tendência demasiado espalhada e julga-los tais como eram, na época em que o encanto de suas produções só era apreciado por seu valor comum.
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Acerca da Malibram. - O gosto mais correto a sensibilidade mais profunda lhe prodigalizaram aplausos entusiásticos. A glória humana, em todos os seus deliciosos transportes, ninguém a conheceu do que ela, a não ser a Taglioni. Que significam as bajulações constrangidas, que cabem aos soldados vitoriosos? De que valem as homenagens prestadas ao escritor popular, sua alta influência, as mais elogiosas manifestações públicas? Que é tudo isso, diante dessa adoração encantada, que se dirige à própria 
mulher, diante desses aplausos espontâneos, súbitos, presentes, diante dessas aclamações frenéticas, dessas lágrimas, desses suspiros eloqüentes, que a idolatra Malibran viu e ouviu,  compreendendo quanto era digna deles? Sua curta carreira foi apenas um sonho esplêndido. Os numerosos e tristes intervalos, durante os quais ela sofreu, nada mais foram do que um sopro, em comparação com sua glória. Sua morte, sobrevindo cedo, foi a conseqüência de uma vida excessiva. Nenhuma pessoa sensata depois de ter ouvido a Malibran cantar, podia duvidar de que ela devesse morrer na primavera de sua existência. Em uma hora, ela fazia um século fugir. Deixou este mundo aos vinte e cinco anos - tendo vivido milhares de anos!
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Em geral, as invectivas contra a originalidade são proferidas somente por pessoas, a um só tempo, vulgares e hipócritas. Digo hipócritas, porque o amor da novidade faz, incontestavelmente, parte de nossa natureza moral; e visto como a originalidade é uma espécie de novidade, o tolo, que professa o desdém da originalidade, seja na literatura, seja em qualquer outra coisa, não poderia levar-nos a admitir que seja completamente sincero. Evidencia, antes, esse ódio vergonhoso, que experimente todo  homem ciumento de uma superioridade a que não pode atingir.
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Um homem de certa habilidade artística pode muito bem saber como se obtém certo efeito, explicá-lo claramente e, contudo, falhar quando quer utilizá-lo. Mas um homem, que possua certa habilidade artística, não é um artista. Só é artista aquele que pode aplicar, com felicidade, seus mais abstrusos preceitos. Dizer que um crítico não saberia escrever o livro que critica, é emitir uma contradição nos termos.
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Parece que o gênio de ordem mais elevada vive numa constante hesitação, entre a ambição e o desprezo da ambição. Nas grandes inteligências, a ambição é apenas negativa. Luta, trabalha, cria, não porque seja desejável ultrapassar os outros, mas porque é insuportável ver-se ultrapassado, quando se tem o sentimento da capacidade de não o ser. Não posso impedir-me de pensar que os maiores espíritos, os que mais consciência 
tem da vaidade das gloríolas humanas, se contentaram em permanecer mudos e desconhecidos.
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Quantas vezes ouvimos dizer que tais ou tais pensamentos são inexprimíveis! Não creio que qualquer pensamento, propriamente dito, não possa ser exposto pela linguagem, inclino-me mais a crer que, quando experimentamos dificuldade em traduzi-lo em palavras, 
é porque  há na inteligência uma falta de método, ou de deliberação. 
Quanto a mim, jamais tive uma idéia que não tenha podido anotar em palavras, até mesmo de modo mais exato do que a havia concebido.
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Aprouve-me, algumas vezes, imaginar qual seria a sorte de um homem dotado - para desgraça sua - de uma inteligência superior em muito à de sua raça. Naturalmente ele teria consciência dessa superioridade e não poderia, por ser, sem dúvida, constituído como os outros homens, deixar de manifestar essa consciência. Adquiriria, assim, inúmeros inimigos. 
E como suas opiniões  difeririam profundamente das de todos, seria ele fatalmente classificado no número dos loucos. Doloroso, horrível suplício! O inferno não pode inventar tortura maior, do que a de ser alguém tido por infinitamente fraco, justamente porque é infinitamente forte. Do mesmo modo, é por certo claro que um espírito generoso, experimentando realmente os sentimentos que os outros se limitam a confessar, deve 
fatalmente permanecer incompreendido por todos, permanecendo ininteligíveis os motivos de seus atos. E assim como um gênio supremo passaria por fatuidade, um excesso de senso cavalheiresco não deixaria de parecer o último grau do servilismo. E assim por diante, para as demais virtudes... essas considerações são muito tristes. Mal é possível contestar que tenham existido homens, que pairaram assim acima do nível de sua época. Mas, se folhearmos a história, para descobrir os traços de sua existência, ser-nos-ia preciso deixar de cuidado, os poucos documentos, que se relacionam com os desgraçados mortos na prisão, nos asilos de alienados ou sobre o cadafalso.
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Os homens de gênio são muito mais numeroso do que se pensa. Com efeito, para apreciar completamente uma obra de gênio é mister possuir toda a superioridade que serviu para produzi-la. E, contudo, aquele que a aprecia  pode não ser capaz de reproduzi-la. E, contudo, aquele que aprecia pode não ser capaz de reproduzi-la, de criar uma semelhante, 
e isso simplesmente porque lhe falta o que se pode chamar a habilidade construtiva, aptidão inteiramente diversa, do que entendemos comumente por "gênio". Essa habilidade particular depende muito da faculdade de análise, pela qual o artista adquire uma visão de conjunto dos meios a empregar, para atingir os alvos desejados. Mas essa habilidade depende também, em grande parte, de certas virtudes estritamente morais, tais como a paciência, a atenção sustentada, a faculdade de concentrar o espírito, o domínio sobre si mesmo, o desprezo de todos os preconceitos e, mais especialmente ainda, a energia e o trabalho. Estas duas últimas condições são tão indispensáveis, tão vitais, que se pode duvidar, com ampla razão, de que, sem elas, tenha sido possível, algum dia, realizar qualquer obra de gênio. Ora, é precisamente porque o labor e o gênio  são mais ou menos incompatíveis, que as obras-primas são raras, ao passo que os jovens de gênio, como eu já disse, superabundam. Os romanos, que são nossos mestres pela sagacidade da observação, embora nos sejam inferiores, na interpretação dos fatos observados, parecem ter tido tão plena consciência da estreita conexão, entre a construtividade e a obra de gênio, que muitas vezes julgaram poder confundir os dos termos. Com efeito, quando o romano queria fazer o maior elogio de um poema, ou de outra obra qualquer, dizia-o escrito "industria miravili" ou "incredibili industria".
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O mais alto gênio, o gênio que todos os homens  reconhecem em primeiro lugar, como tal, o que age sobre os indivíduos, tanto quanto sobre as massas, por uma espécie de magnetismo incompreensível, embora irresistível, esse gênio, que se manifesta nos mais simples gestos, ainda mesmo por sua ausência esse gênio, que fala sem voz e que lampeja  sob a pálpebra baixada, nada mais é do que o resultado de uma vasta potência, mental, num estado de proporção absoluta, sem predominância ilegítima de qualquer faculdade. O gênio contrafeito, ao contrário, o que apenas é a manifestação de uma predominância anormal de alguma faculdade, sobre todas as outras, é o resultado de uma enfermidade 
mental, de uma deformação orgânica do espírito, e nada mais. Esse gênio não falhará, unicamente se se desviará do caminho para que o guia uma faculdade predominante; mas, ainda mesmo, que siga esse caminho, ainda que produza obras, para as quais evidentemente é o melhor predestinado, não deixará de fornecer provas inegáveis de seu estado mórbido, em relação à  inteligência geral. Daí essa idéia justa: o gênio é parente próximo da loucura.
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Não é ilógico supor que, numa existência futura, possamos considerar esta vida terrestre como um sonho.
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Não somente acho paradoxal atribuir a um homem de gênio um caráter vil, como assevero que o mais elevado gênio é apenas a nobreza moral mais alta.
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É por certo desconcertante verificar a facilidade pela qual qualquer sistema filosófico pode ser declarado um erro; não é porém igualmente triste reconhecer a impossibilidade em que nos achamos, para conceber a verdade imutável de qualquer sistema particular?
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Poder-se-ia imaginar uma filosofia muito poética e sugerida de sérios pensamentos, embora talvez pouco sustentável, supondo que os virtuosos serão chamados a uma nova existência, enquanto seriam aniquilados os perversos. E a ameaça desse aniquilamento, 
proporcional à culpabilidade de cada um, poderia ser pressentida durante o sono e, às vezes, mais claramente ainda, durante o desmaio, a ausência de sonhos, durante o sono, seria, para a alma, um sinal de destruição final. Da mesma forma, dormir e acordar em seguida, sem consciência do lapso de tempo decorrido, indicaria que a alma esta condenada a morrer com o corpo.
Ao contrário, se, ao despertar de um desmaio, se encontrassem recordações de sonho (e isso, às vezes, sucede), a alma teria certeza de achar-se em condições de escapar ao aniquilamento, sendo assim preditas a ventura ou a desgraça de nossa vida futura, pela freqüência de nossas visões.
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Prendendo-nos demais a pormenores de pouca importância, acabamos por esquecer as generalidades essenciais. Assim foi que certo escritor se queixava um dia, amargamente,  dos erros de impressão, cometidos em seu livro, embora poupasse a seu impressor as censuras, bem merecidas, pela mais imperdoável das faltas: a de ter sido impresso o volume.
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Não é realmente corajoso quem teme parecer ou ser, quando isso lhe convier, um covarde.
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Caluniar um grande homem, é para os medíocres, o meio mais rápido de, por sua vez, alcançarem eles a grandeza. É provável que o escorpião jamais se tivesse tornado uma constelação, se não tivesse tido a coragem de morder o calcanhar de Hércules.
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Não é decente (para não dizer mais) e não me parece corajoso atacar um inimigo, abstendo-se de nomeá-lo, mas descrevendo-o tão minuciosamente que não haja pessoa, que não saiba de quem se trata - e dizer em seguida: "Eu não designei esse homem pelo nome. Aos olhos e pela letra da leis sou, portanto, inocente". Quantas pessoas, porém que se 
dizem "gentlemen", se tornam culpadas de tal baixeza! Ser-nos-ia mister reformar esse outro: o hábito de não assinar nossas críticas. Nada de convincente pode ser alegado, em defesa dessa prática tão desprezível e tão covarde.
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o movimento em favor da temperança terá certeza de persistir se, em vez de argumentos morais, recorrer a argumentos de higiene, contra as bebidas alcoólicas. Persuadi alguém de que tais bebidas são venenos para o corpo e mal será necessário acrescentar que são a ruína da alma.
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Estudar o mecanismo de uma obra de arte, ver de perto suas engrenagens, seus menores detalhes, pode proporcionar certo prazer especial, mas um prazer de que não podemos gozar, sem renunciar ao gozo dos efeitos pretendidos pelo artista. Na realidade, considerar as obras de arte, de um ponto de vista analítico. É submete-las, de algum modo, aqueles espelhos de templo de Esmirna, que só refletiam as mais belas imagens, deformando-as.
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Grande número de escritores obtém fama em filosofia, graças ao hábito que os homens tem de considerar-se como cidadãos de um certo mundo, de certo planeta, Mn vez de se reconhecerem, ainda que só de vez em quando, na sua condição exclusivamente cosmopolita de habitantes do universo.
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Ao ler certos livros, interessamo-nos pelos pensamentos do autor; pela literatura de outros, limitamo-nos a desenvolver nossos pensamentos pessoal. Existem duas espécies de livros sugestivos: os positivos e os negativos. Aqueles nos dão matéria para reflexão, pelo que dizem; estes pelo que poderiam e deveriam dizer. Afinal de contas, a diferença 
é apenas mínima, porque, em ambos os casos, o livro atinge realmente o seu alvo.
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os homens que exercem a profissão de jornalistas parecem, constituídos como os deuses do Walhalla, que se cortavam em pedaços, todos os dias, e acordavam de perfeita saúde, todas as manhãs.
Sabe-se que os poetas e, em geral, todos os artistas, tem um caráter irritável; mas a razão desse temperamento especial parece bastante ignorada. Um artista somente o é pelo seu sentimento refinado da beleza, 
que para ele se torna assim uma fonte de gozo extático esse feto, todavia, implica num sentimento igualmente sutil da fealdade, da desproporção. Heis por que um erro, uma injustiça praticada contra um poeta, realmente digno o desse nome, o existam a um grau, que pode espantar os espíritos ordinários. Os poetas nunca vêem a injustiça, onde ela não existem amas muitas vezes a descobrem, onde os espíritos prosaicos  não vêem. 
A irritabilidade dos poetas não é, pois, "gênio, no sentido vulgar da palavra, mas simplesmente uma perspicácia superior, com relação ao mal. Isso provém de que o poeta sente fortemente o reto. O justo, a proporção, ou, em uma palavra, o que os gregos chamavam: "tokalon". Parece-me evidente que quem não se mostra irritável (no sentido comum da palavra), não é poeta.
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Se eu tivesse de definir, com toda a brevidade, a palavra "arte", chamá-la-ia a reprodução do que os sentidos percebem na natureza, através do véu da alma. A imitação pura e simples da natureza, por exata que seja, não autoriza ninguém a tomar o titulo sagrado de artista. Em minha opinião, Deuner não era um artista. As uvas pintadas por Zeuxis nada tinham de artística, senão a voldóiseau. Da mesma forma devemos confessar que a cortina de Parrhasius quase não podia esconder o que faltava de gênio a esse pintor.
Acabo de falar do "véu da alma". Algo de semelhante parece indispensável na arte. Podemos sempre duplicar a beleza de uma paisagem, contemplando-a com os olhos semicerrados. Os sentidos, algumas vezes, percebem de menos; mas não poderíamos ajuntar que, em multidão de casos, eles percebem sempre demais?
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Quando Luciano descreveu sua estátua "de mármore pentélico na superfície e, por dentro, cheia de farrapos sujos", certamente devia ter tido alguma visão profética de nossas grandes instituições financeiras.
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se apraz a algum ambicioso revolucionar, de uma só vez o mundo inteiro do pensamento, da opinião e do sentimento humano, heis o que lhe dará o poder de chegar a esse fim. A estrada, que conduz a uma glória imperecível, esta aberta à sua frente, reta e sem tropeços. Bastar-lhe-á escrever e publicar um livro, bem pequeno, cujo título será simples e formado de algumas palavras despretensiosas: "Meu coração posto a nu". Mas é preciso que esse livrinho cumpra todas as suas promessas. Não é singular que não se tenha achado homem algum, com bastante audácia. Para escrever esse volumezinho, e isso apesar da sede de fama, que consome tantos escritores, preocupadíssimos com o que se irá pensar deles, depois de sua morte? Escrevam-no! - digo. 
Mas ha milhares de pessoas que, uma vez composto o livro, se poriam a rir, caso lhes dissessem que não teriam ousado publicá-lo, durante a vida e não poderão imaginar por que se teriam oposto a seu aparecimento, depois que morressem, escreve-lo porém, é que é em verdade, a grande dificuldade. Nenhum homem jamais ousará escrever; nenhum homem poderia escreve-lo - ainda que o ousasse- pois o papel se amarfanharia e pegaria fogo, ao simples contato de sua pena inflamada. -------------------------------- Um escritor de gênio, se não lhe for permitido escolher seu assunto, sair-se-á da obra pior do que se fosse desprovido de qualquer talento, e como sua liberdade é restringida! Certamente ele pode escrever o que lhe aprouver, mas o editor terá opinião diversa e só imprimirá o que julgar conveniente. A natureza de nossa leis sobre a propriedade literária furta ao escritor toda a sua força. Quando à sua liberdade de ação, ela se assemelha à concebida ao deão e ao cabido de uma certo decreto do rei, que lhes dava a faculdade de eleger e especificava a pessoa a ser eleita. --------------------------------------- Considero que os perfumes tem poderes dos mais particulares, para provocar em nós associações que diferem essencialmente das nascidas das sensações, que provêm do gosto, do tato, da vista e do ouvido. ------------------------- pode haver coisa de mais doce para o orgulho de um homem e para a satisfação de sua consciência do que o sentimento de se haver vingado plenamente das injustiças de seus inimigos, com o ter-lhes sempre e simplesmente feito justiça? ----------------------------------------------- Um argumento sólido, em prol do cristianismo, é este: os pecados contra a caridade são os únicos pelos quais um homem, em seu leito de morte, pode ser levado a declarar-se, a sentir-se culpado. -------------------------------------------- Samuel Butler, o autor de HUNDIBRAS, certamente teve algum sonho profético sobre o Congresso americano, quando definiu assim uma balbúrdia: "Um rebanho ou assembléia dos Estados gerais, em que cada qual é fatalmente inclinado a divergir da opinião dos outros, seja qual for o assunto. Reúnem-se - acrescenta ele - unicamente para entrar em discussões e depois voltam para casa muito satisfeitos, inteiramente dispostos a revogar o que disseram". ----------------------------------------------- No gênero literário chamado "novela", não falta espaço para desenvolver os caracteres ou para acumular os incidentes variados; necessita-se aí mais imperiosamente de um plano do que num romance. Neste último, uma intriga mal apresentada pode ainda escapar à crítica; mas o mesmo não se dá com a novela. A maior parte de nossos autores, entretanto, não observa esta distinção. Parecem começar suas histórias, sem de modo algum se preocuparem com o fim a que as devem conduzir. E seus epílogos, como outros tantos governos à Trínculo, parecem ter perdido a lembrança de seus inícios. ----------------------------------------- Mal se pode conceber qual deve ter sido o grau mórbido da inteligência e do gosto na Alemanha, quando se sabe que um livro, tal como os "SOFRIMENTOS DE WERTHER", não foi lá somente tolerado, como admirado e aplaudido com entusiasmo. Essa aprovação, do outro lado do Reno, foi sem duvida de boa fé. Mas, entre nós, ela é a quintessência da insânia. E, contudo, fizemos o melhor que pudemos, como se se tratasse de um compromisso de honra, para colocar-nos no diapasão de loucura da obra de Goethe. ------------------------------------- "Os anjos - diz a senhora Dudevant, mulher que semeia multidão de admiráveis sentimentos, através de um caos de ficções das mais criticáveis - "os anjos não são mais puros do que o coração de um jovem que ama sinceramente". Esta hipérbole não se afasta muito da verdade! E seria a própria verdade, se se aplicasse ao amor fervente de um jovem, que ao mesmo tempo fosse poeta. O amor juvenil de um poeta é, sem contradita, um dos sentimentos humanos, que realiza de mais perto nossos sonhos de certos gozos celestes. --------------------------------------- Em todas as alusões que Lord Byron faz à sua paixão por Mary Chaworth, circula um sopro de ternura e de pureza quase espiritual, que contrasta de muito com o grosseirismo terrestre, que penetra e desfigura seus poemas de amor vulgar. O "Sonho", onde se encontram traçados alguns dos incidentes de sua separação dela, no momento da partida para suas viagens, jamais foi ultrapassado em fervor, delicadeza e sinceridade, misturados a qualquer coisa de etéreo, que eleva e enobrece o poema. É o que nos permite duvidar que ele jamais tenha escrito coisa tão pouco popular. Temos certa razão para crer que sua atração por Mary (nome que para ele parece ter possuído um encanto especial) fosse séria e durável. Há, desse fato, cem provas evidentes em seus escritos. Mas a seriedade e a duração desse amor, não vão de encontro à opinião de que essa paixão (se tal nome lhe pode ser propriamente dado), apresentou um caráter eminentemente romântico, vago e imaginativo. Nascida da ocasião, dessa necessidade de amar que a juventude experimenta, foi ela entretida e alimentada pelas águas, as colinas, as flores e as estrelas. Nenhuma relação direta tem com a pessoa, o caráter ou a retribuição de afeição dessa Mary. Qualquer mocinha, desde que não fosse despida de atrativos, teria sido amada por ele, nas mesmas circunstâncias de vida comum e de relações livres. Eles se avistavam sem obstáculo e sem reservas. Daí esse amor, não só natural, mas inevitável, como o próprio destino. Em tais circunstância, Mary Chaworth, dotada de beleza incomum e de algum talento, não podia deixar de inspirar uma paixão desse gênero e era feita, por medida, para incarnar o ideal que encantava a imaginação do poeta. É talvez preferível, do ponto de vista do puro romance de seu amor, que suas relações tenham sido rompidas cedo e não mais se tenham reatado. Todo o calor, toda a paixão da alma, a parte real e essencialmente romanesca de sua ligação infantil, tudo isso deve ser inteiramente atribuído a Byron. Se ela sentia alguma coisa de análogo, não foi isso senão o efeito do magnetismo exercido pela presença do poeta. Se ela correspondia, de algum modo, à sua afeição, foi apenas correspondência inevitável, arrancada pelo sortilégio das palavras de fogo, que ele lhe dirigia. Longe dela, Byron conduziu consigo todas as imaginações, que eram o fundamento de sua flama e cujo vigor a ausência só fez aumentar; ao passo que seu amor pela mulher, menos ideal e ao mesmo tempo menos realmente substancial, não tardou a desvanecer-se inteiramente, pelo desaparecimento do elemento que lhe havia dado a vida. Para ela, ele foi apenas um jovem que, sem ser feio nem desprezível, não tinha fortuna, era levemente excêntrico e, sobretudo, claudicava. Para ele, ela foi a Egéria de seus sonhos, a Vênus Afrodite saindo, em sua plena e sobrenatural beleza, da espuma cintilante, por sobre o oceano tempestuoso de seus pensamentos. ------------------------------------------------ Se algum homem já impôs à palavra a impressão de seus pensamentos, esse homem foi Shelley. Se algum poeta há cantou, como um pássaro canta, por impulso natural, com ardor, com inteiro abandono, para si somente e para a pura alegria de seu próprio canto, foi esse o poeta da "Sensitiva". De arte, a não ser essa parte instintiva que é inseparável do gênio, ele nada tem, ou melhor, desdenhou-a completamente, na realidade, ele desdenhava a regra que emana da lei porque encontrava sua lei em sua própria alma. Seus cantos são apenas notas falhadas, esboços estenográficos de poemas, esboços que bastavam amplamente à inteligência dele e que ele não queria ter o trabalho de desenvolver, descuidoso como era de comunicá-lo a seus semelhantes. Por essa razão, a leitura de suas obras é das mais fatigantes. Mas, se cansa, é porque aquilo que nelas nos parece o desenvolvimento difuso de uma idéia não passa da concentração concisa de um grande número de idéias; e essa concisão muitas vezes se toma por obscuridade. Um homem assim não podia pensar em imitar; isso de nada lhe teria servido, pois ele apenas se dirigia à sua própria alma, incapaz de compreender qualquer outra linguagem; daí resulta sua originalidade verdadeiramente profunda. A estranheza de Shelley provém da percepção intuitiva dessa verdade, que só Bacon exprimiu em termos precisos, o dizer: "Não há beleza à qual não se alie alguma estranheza.
" Mas, tenha sido Shelley obscuro, original ou estranho, o certo é que ele foi sempre sincero: esse poeta não conhecia a agitação. ---------------------------------------- Tomaz Moore, o literato mais hábil de seu tempo e talvez de todos os tempos, é vítima da infelicidade singular e realmente maravilhosa de se achar depreciado por causa da profusão, com que esparziu belezas por sua obra. O brilho de qualquer uma das páginas de LALLAH ROOKH bastaria para firmar-lhe a reputação; mas esta teve de sofrer, por causa da cintilância prodigalizada no livro inteiro. Parece que as leis da economia política não podem ser infringidas, nem mesmo pelos poetas inspirados! Se uma versificação perfeita, um estilo vigoroso, uma fantasia infatigável forem demasiadamente constantes, acabam por não ter mais valor: como a água que bebemos, sem a qual não podemos viver, e que, contudo, desprezamos. ---------------------------------------------- Nossa literatura esta infestada por um enxame de sujeitinhos, que acabam por conquistar uma reputação real, quando mais não seja, pela continuidade e persistência de seus apelos ao público. Este nem um instante se pode desembaraçar de tais parasitas, ou esquecer suas pretensões. Não consideraremos o trabalho desses animálculos, como igual a nada, porque eles chegam, como já disse, a produzir um efeito positivo. Mas o zero, ainda que elevada à maior potência, jamais produzirá unidades; e tal trabalho será melhor expresso pelas quantidades negativas, pelos menos que zero. ------------------------------------------------ Os romanos honravam suas insígnias; e a insígnia romana era algumas vezes a águia. A nossa insígnia não é senão o décimo de uma águia - um dólar- mas nós não nos embaraçamos em adorá-lo, com uma devoção dez vezes mais forte. ------------------------------------------ O mundo está atualmente infestado por uma nova seita de filósofos, que ainda não reconheceram que formam uma seita e, por conseqüência, não adotaram nome. São os crentes em todas as velharias (o mesmo que dizer: pregadores do velho). O grão-sacerdote, a Leste, é Carlos Fournier,- a Oeste Horácio Greeley e grão-sacerdotes são eles sinceramente. O único laço comum entre a seita é a credulidade; - chamemos a isto demência e acabou. Perguntai a um deles por que crê nisto ou naquilo: e, se for consciencioso (os ignorantes em geral o são), dar-vos-á uma resposta análoga à que deu Talleyrand, quando lhe perguntaram por que acreditava na Bíblia: "Acredito, respondeu ele, primeiro, porque sou bispo de Autun, e segundo, porque não entendo nada do que ela contém." o que esses tais filósofos chamam argumento é uma maneira lá deles de negar o que é e de explicar o que não é. ------------------------------------- Crescem nossos críticos em número a tal ponto, que se deveria, pelo menos, dizimá-los. Será que não temos um crítico, com bastantes nervos, para estrangular dois ou três in terrorem? Deveria ele fazer uso, naturalmente, duma corda de seda, como se faz na Espanha, para os Grandes, de sangue azul. ------------------------------------------- Estas imensas bolsas, semelhantes ao pepino gigante, que estão em moda, entre as nossas beldades, não tem, como se pensa origem parisiense; são perfeitamente indígenas. Por que semelhante moda em Paris, onde uma mulher não guarda na bolsa senão seu dinheiro? Mas a bolsa duma americana! É preciso que esta bolsa seja bastante vasta, para que ela possa ali encerrar todo o seu dinheiro, - e mais toda sua alma! ---------------------------------------------------- Um francês - talvez tenha sido Montaigne - diz: "Fala-se em pensar, mas quanto a mim, nunca penso, senão quando me sento para escrever." é o fato de nunca pensar, salvo quando nos sentamos para escrever, a causa de produções tão fracas. Mas talvez haja, na observação deste francês, alguma coisa de mais que não se acreditaria à primeira vista. É certo que o ato apenas de redigir tende, em alto grau, a dar mais lógica ao pensamento. Todas as vezes que estou descontente com uma concepção do meu cérebro, por motivo de sua vaguidão excessiva, recorro imediatamente à pena, com o fim de obter, graças ao seu auxílio, a reforma, a coerência e a precisão necessárias. Quantas e quantas e quantas vezes não ouvimos a observação de que tal ou qual pensamentos ultrapassa a esfera das palavras?! Não acredito que um pensamento propriamente dito possa estar fora do alcance da linguagem. Prefiro imaginar que, onde uma dificuldade se apresenta, há, na inteligência que a ela se aplica, uma falta de decisão ou de método. Quanto a mim, jamais tive pensamentos que não pudessem ser expresso por palavras, e mesmo com uma nitidez superior à com que eu os havia concebido: como o observei acima, o pensamento se torna mais lógico pelo esforço exigido pela sua representação escrita. Há, todavia, uma classe de fantasias, duma delicadeza rara, que não são pensamentos, e às quais, até aqui, achei absolutamente impossível adaptar à linguagem. Sirvo-me da palavra fantasia ao acaso, e unicamente porque necessito empregar uma palavra qualquer; mas a idéia que se liga comumente a este termo não é aplicável, nem mesmo de longe, às sombras de sombras em questão. Elas me parecem mais psíquicas que intelectuais. Não se elevam a alma (aí! Tão raramente!), senão no momento de suas fases mais intensamente sossegadas - quando a saúde corporal e moral é perfeita - e somente naqueles instantes de tempo em que os confins do mundo que desperta se fundem nos do mundo dos sonhos. Só me torno cônscio dessas "fantasias", quando me encontra `"beira" do sono e com a consciência do meu estado. Contentei-me em saber que esta condição só existe, durante um tempo inapreciável - e, no entanto, se incorpora ela a essas "sombras de sombras", e um pensamento absoluto exige certa duração. Essas fantasias contêm um êxtase delicioso, tão afastado dos êxtases mais deliciosos do mundo da vigília ou dos do sonho, quanto o é de seu inferno o céu das mitologias setentrionais. Considero estas visões, no momento em que se erguem, com um temor que, até certa medida, modera e tranqüiliza o êxtase é, em si mesmo, duma essência superior à natureza humana - que é um relance de vista sobre o mundo externo dos espíritos; e chego a esta conclusão - se este termo pode ser de alguma maneira aplicado à intuição instantânea - que a delicia experimentada comporta, na sua base, o absoluto da novidade. Digo o absoluto - porque nestas fantasias - permiti-me que as chame agora de impressões psíquicas - não há realmente nada que se aproxime do caráter das impressões geralmente experimentadas. É como se os cinco sentidos fossem suplantados por cinco miríades de outros sentidos, estranhos à natureza mortal. Ora, tenho tão inteira confiança no poder da palavra que, por momentos, acreditei possível dar corpo, na sua própria imaterialidade, às fantasias que tentei descrever. Em experiências tenho este objetivo em vista, fui bastante longe a ponto de controlar, à primeira vista, (quando a saúde do corpo e da alma é satisfatória) a existência desta condição: quero dizer que sou agora capaz, (salvo em caso de doença) de prever a vinda, jamais podia eu antes estar certo, mesmo nas circunstância mais favoráveis. Em uma palavra, quero dizer que posso estar certo, quando todas as circunstância são favoráveis, da vinda desta condição, e sentir-me eu mesmo capaz de faze-la nascer, ou de obriga-la a nascer: entretanto, as circunstâncias favoráveis não deixam de ser raras - do contrário já teria eu obrigado o céu a descer à terra. Em segundo lugar, esforcei-me por impedir o deslizamento do ponto de que falei - o ponto de fusão entre a vigília e o sono - de impedir, repito, à vontade, o deslizamento, desde as fronteiras até o reino do sono. Não é que eu possa prolongar esta condição - nem aumentar a duração desse ponto - mas eu posso saltar desse ponto à vigília; e assim transportar o próprio ponto ao reino da Memória; enfim, conduzir essas impressões, ou mais propriamente a lembrança delas, a um estado em que (embora por um período bastante curto) eu possa examiná-las analiticamente. Por estas razões - isto é, pelo fato de me ter tornado capaz de dar esse grande passo - não desespero completamente de incarnar em palavras números bastante grande das fantasias em questão, para dar a certas classes de inteligências, uma vaga idéia de seu caráter. Do que adianto, não se deve concluir que suponho essas fantasias, ou impressões psíquicas, às quais faço alusão, limitadas à minha própria pessoa - e não, numa palavra, comuns à humanidade inteira; porque neste ponto, é me absolutamente impossível formar uma opinião; mas o de que estou mais certo do que tudo, é de que a narração, mesmo parcial, de tais impressões faria estremecer a inteligência universal da humanidade, com a suprema novidade dos elementos postos em ação e das sugestões que deles decorreriam. Em resumo, se jamais tivesse eu de redigir uma memória, a respeito desta questão, o mundo seria obrigado a reconhecer que eu afinal levei a cabo uma coisa original.

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