ÁLVARES DE AZEVEDO
Escrevendo ao pai de Álvares de Azevedo, o professor Stoll dizia do seu pequeno
aluno: "É a capacidade mais rara que tenho visto, na América, em crianças".
Manuel Antônio Álvares de Azevedo foi, na verdade uma poderosa capacidade intelectual.
Consumiu-se em cima dos livros, no frenético anseio de tudo saber, de tudo exprimir.
Entregava-se à poesia, aos sonhos literários, com desespero de quem, prevendo
morte próxima, trata de dizer imediatamente tudo quanto lhe referve no cérebro.
De uma versatilidade espantosa, vibra todas as cordas da lira. Vai do mais ingênuo
lirismo ao mais desabusado erotismo. É zombeteiro e irônico, alegre e triste,
vibrante e meigo, sensual e pudico.
Devemo-lhe a introdução do "humor" na poesia brasileira. Muitas outras coisas devemos a esse adolescente genial. Poucos (talvez nenhum) poetas no mundo terão, em tão curto tempo de vida, realizado obra tão séria, tão duradoira. Filho de um autêntico amor a 1830. Manuel Antônio veio ao mundo na capital paulista, no dia 12 de setembro de 1831. Bacharelou-se em letras pelo Colégio Pedro II, do Rio, e cursava o quarto ano da Faculdade de Direito de São Paulo, quando a morte veio buscá-lo, aos 25 de abril de 1852. Suas "Obras Completas", em três volumes das edições "Garnier" e dois amplos volumes em edição da "Cia. Editora Nacional" (anotada e prefaciada por Homero Pires) marcam um dos mais altos momentos da poesia brasileira. Romântico por excelência, a morte foi o "leit-motiv" da maioria dos seus versos.
SE EU MORRESSE AMANHÃ Se eu morresse amanhã, viria ao menos Fechar meus olhos minha triste irmã; Minha mãe de saudade morreria, Se eu morresse amanhã! Quanta glória pressinto em meu futuro! Que aurora de porvir e que manhã! Eu perdera chorando essas coroas, Se eu morresse amanhã! Que sol! que céu azul! que doce n'alva Acorda a natureza mais louçã! Não me batera tanto amor no peito, Se eu morresse amanhã! Mas essa dor da vida que devora A ânsia de glória, o dolorido afã A dor no peito emudecera ao menos Se eu morresse amanhã! SONETO Pálida, à luz da lâmpada sombria, Sobre o leito de flores reclinada, Como a lua por noite embalsamada, Entre as nuvens do amor ela dormia! Era a virgem do mar! na escuma fria Pela maré das águas embalada! Era um anjo entre nuvens d'alvorada Que em sonhos se banhava e se esquecia! Era mais bela! o seio palpitando Negros olhos as pálpebras abrindo Formas nuas no leito resvalando Não te rias de mim, meu anjo lindo! Por ti - as noites eu velei chorando, Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo! LEMBRANÇA DE MORRER Mo more! o never more! SHELLEY Quando em meu peito rebentar-se a fibra, Que o espírito enlaça à dor vivente, Não derramem por mim nem uma lágrima Em pálpebra demente. E nem desfolhem na matéria impura A flor do vale que adormece ao vento: Não quero que uma nota de alegria Se cale por meu triste passamento. Eu deixo a vida como deixa o tédio Do deserto o poento caminheiro, - Como as horas de um longo pesadelo Que se desfaz ao dobre de um sineiro; Como o desterro de minh'alma errante, Onde fogo insensato a consumia: Só levo uma saudade - é desses tempos Que amorosa ilusão embelecia. Só levo uma saudade - é dessas sombras Que eu sentia velar nas noites minhas De ti, ó minha mãe, pobre coitada Que por minha tristeza te definhas! De meu pai de meus únicos amigos, Poucos - bem poucos - e que não zombavam Quando em noites de febre endoidecido, Minhas pálidas crenças duvidavam, Se uma lágrima as pálpebras me inunda, Se um suspiro nos seios treme ainda, É pela virgem que sonhei que nunca Aos lábios me encostou a face linda! Só tu à mocidade sonhadora Do pálido poeta deste flores Se viveu, foi por ti! e de esperança De na vida gozar de teus amores. Beijarei a verdade santa e nua, Verei cristalizar-se o sonho amigo Ó minha virgem dos errantes sonhos, Filha do céu, eu vou amar contigo! Descansem o meu leito solitário Na floresta dos homens esquecida, À sombra de uma cruz, e escrevem nela: - Foi poeta, sonhou, e amou na vida. Sombras do vale, noites da montanha, Que minha alma cantou e amava tanto, Protegei o meu corpo abandonado, E no silêncio derramai-lhe canto! Mas quando preludia ave d'aurora E quando à meia-noite o céu repousa, Arvoredos do bosque, abri os ramos Deixa a lua prantear-me a lousa!
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